Solidão e mulheres negras

Esses dias eu estava assistindo a Beyoncé cantar “Don’t hurt yourself” ao vivo. A energia que ela libera nesse som é algo absurdo. Se um dia vocês estiverem putas da vida  com algum chernoboy, ouçam. Durante a apresentação aparece uns trechos de Lemonade, seu visual álbum. Não é segredo para ninguém que Lemonade é uma desabafo sobre como foi desconfiar, descobrir, explodir de raiva, se reerguer e perdoar a traição. Essas fases são muito importantes e são descritas no álbum e seus sentimentos são representados por poemas e vídeos. Nesta música aparece um trecho do discurso de Malcom X (1925-1965)

“A pessoa mais desrespeitada da América é a mulher negra. A pessoa mais desprotegida da América é a mulher negra. A pessoa mais negligenciada da América é a mulher negra”.

Na época do lançamento do álbum eu li diversos desabafos e comentários sobre a situação conjugal da família Carter. Todos de mulheres negras. Todos tinham um ponto em comum, a solidão da mulher negra. Ângela Davis fala sobre isso em seu livro “Mulheres, raça e classe”. Esse debate é muito forte dentro do movimento negro. A grande questão é que o abandono, agressão, e a hipersexualização da mulher negra é real.

Eu vi uns vídeos e debates sobre masculinidade tóxica e de como é prejudicial, mas eu vi muitos depoimentos de mulheres brancas retratando isso. Eu convido todos a pensarem nas relações entre homens negros e mulheres negras e homens brancos e mulheres negras. Em um país onde sempre foi almejado “branquear” a família e onde a mulher negra sempre foi vista como objeto sexual, as relações tóxicas entre homens e mulheres negras são pouco debatidas. Um caso que expôs isso foi o Mano Brown sexy symbol para uma mulher branca. Vi muitas amigas totalmente envergonhadas. Mas eu não quero me aprofundar nesse assunto.

Essas relações são extremamente prejudiciais, Tupac falou isso em sua música “Keep ya head up”, ele levantou esse debate sobre a autoestima da mulher negra. Em muitos trechos da música, Tupac faz questionamentos do tipo “Por que nós violentamos e odiamos nossas mulheres?”, Pac fala que esse ciclo de violência só cria mulheres que são odiadas a odiar seus filhos e assim se cria um ciclo de crianças que odeiam sua origem. A música que é de 1993 continua ecoando forte nos dias de hoje. Ao ligar a televisão ou abrir um jornal você pode se deparar com casos de femínicidio e as mulheres negras são as que mais morrem. Os dados do Atlas da Violência, que foi divulgado em 2018, aponta que as taxas de homicídio entre mulheres negras ficou em 5,3 por grupo de 100 mil em 2016, entre as não negras, englobando brancas, amarelas e indígenas, a taxa foi de 3,1, diferença de 71%!

Hoje, acima de tudo, nós mulheres negras buscamos sobreviver! As mulheres negras são as que mais sofrem na hora do parto. Segundo a campanha “SUS sem racismo”, do Ministério da Saúde, 60% das vítimas de mortalidade materna no país são negras e somente 27% das mulheres negras tiveram acompanhamento durante o parto. Para mulheres brancas o número chega aos 46,2%!

A luta é muito grande para um mulher negra chegar a um patamar de empoderamento! Isso quando não estão sofrendo em seus relacionamentos. E aí voltamos para Beyoncé! A artista fala sobre esse ciclo de traições e como isso afetou sua autoestima e como a feriu. Ela fala isso para todas as mulheres! Eu sempre converso com minhas amigas e ouço casos de mulheres incríveis em relacionamentos medianos ou correndo atrás de homens pequenos. Vejo mulheres que são abandonadas após o “sucesso” do parceiro. Nós não somos babás de homens, mas nós acreditamos no potencial de nosso parceiro e isso é um dos maiores erros. Dentro de relacionamentos interraciais eu já vi e sofri racismo. Nós não estamos protegidas nem dentro de algo que deveria ser “bom”. Cada passo que uma mulher negra dá pode ser fatal, ou para sua própria vida ou autoestima. Estamos criando mulheres que não gostam de si.

Quantas vezes você elogiou a beleza de uma mulher negra, mas sem hipersexualila-la? Quantas vezes você já falou do cabelo de uma mulher negra sem chamá-lo de “exótico”?

Quantas vezes você já se perguntou de onde vem toda essa autoestima que é massacrada todos os dias?

Até quando vocês vão continuar nos matando? Diminuindo nossa autoestima? Nos desrespeitando?

Nós somos sobreviventes e ainda temos um largo caminho a percorrer! Temos que lidar com nossos problemas de autoestima e muitas vezes de nossos parceiros. Nossa carga mental é absurda! Estamos vivas e vamos sobrevivendo.

Além do álbum Lemonade, eu também deixo o clássico “The Miseducation of Lauryn Hill”. O álbum fala da vida pessoal de Lauryn Hill e é um desabafo sobre ser mulher, mãe e artista! Fiz um artigo no meu blog, Rap em Movimento!

Links

https://www.vice.com/pt_br/article/gv35vw/dados-violencia-no-parto-brasil

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-06/em-10-anos-assassinatos-de-mulheres-negras-aumentaram-154

Sobre Mari Paulino

Geminiana fã de 2PAC e Gangsta rap com os dois pés no samba. Jornalista nascida em São Paulo, com o coração em Fortaleza. Fã do Spiderman e da série Resident Evil. Piadas ruins e Chapolin Colorado sempre são pautas das minhas conversas.
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