Precisamos discutir a Saúde mental no Hip-Hop

Nos últimos tempos saúde mental é um dos temas mais discutidos em diversas vertentes e apesar de que no movimento Hip-Hop estarmos sempre buscando informações, esse é um dos assuntos que ainda é tabu em nosso meio.

Ainda temos no Hip-Hop uma discussão rasa sobre saúde mental onde sempre achamos que é marketing ou algum jeito de se manter relevante na cena, não que esse tipo de coisa não aconteça, más em se tratando de pessoas negras ou pessoas envolvidas com a cultura sempre há dúvidas e questionamentos da veracidade.

Em casos recentes como os de Kanye West e Azelia Banks, e aqui no Brasil o do, Mineiro, um Mc de batalha extremamente talentoso e com bastante potencial, que acabou cometendo suicídio de uma maneira muito triste em uma live em seu próprio Instagram.

Devido a essa tema delicado, resolvemos chamar um profissional da aérea da saúde mental, Arthur Venturi Vasen é psicólogo e orientador vocacional e blogueiro de Hip Hop escrevendo em sites como Bocada Forte, Zona Suburbana e até mesmo aqui na Black Pipe para falar um pouco sobre a importância da gente discutir isso em nosso meio:

É difícil definir com precisão o que é sofrimento humano, quais são todas as suas causas e quais são todas as variáveis que influenciam esse fenômeno. Mas falando sobre adoecimentos mentais entre nossos protagonistas no Hip Hop (MC’s, DJ’s, bgirls e bboys, grafiteiros, blogueiros, produtores de eventos, produtores executivos e mesmo o público, entre outros) posso compartilhar algumas hipóteses que tiro de minhas próprias observações combinadas com a literatura científica que temos disponível no momento. Eu divido essas hipóteses em três grupos: variáveis da função, variáveis de autocuidado e variáveis do poder público.

Falo “variáveis de função”, no sentido da área em que trabalhamos ou temos nosso lazer. Por um lado, todos nós envolvidos no Hip Hop temos alguma relação com um tipo de arte que surge para denunciar sofrimentos psíquicos, materiais e sociais. Tanto no sentido de “desabafar”, quanto no de fazer críticas sociais aos envolvidos. E ainda que a arte seja uma maneira de elaborar nossos sofrimentos, sermos atraídos para essa arte em especial pode indicar que buscamos elaborar sofrimentos que estão dentro de nós. E não é difícil olharmos ao nosso redor para as pessoas do meio com quem trabalhamos, conversamos ou temos laços de amizade para reconhecermos pessoas muitas vezes discriminadas, oprimidas e em sofrimento.
Ao mesmo tempo, pessoas com vivências comuns podem perceber e mesmo buscar resolver seus sofrimentos de maneiras diferentes. Dessa maneira, a busca pelo Hip Hop também pode significar que temos uma percepção sensível sobre o mundo e sobre como o mundo nos trata e trata aos nossos pares.

Quanto à especificidade do Hip Hop existem também princípios em nossa cultura que são prejudiciais como a valorização do consumo de substâncias (álcool, cigarro e cocaína, por exemplo) e, em alguns espaços, a valorização excessiva da competitividade entre nós.
Quanto ao autocuidado, existem algumas variáveis ligadas ao aspecto periférico do fenômeno. Olhando a história das populações marginalizadas no Brasil (população negra, população periférica, LGBTQIA+ principalmente as pessoas trans e travestis, população em situação de rua, entre outros) é possível perceber dois lados diferentes da mesma moeda: uma falta de cuidado e um incentivo à mortalidade.

É muito comum ouvir de pessoas mais velhas que façam parte dessas populações marginalizadas falas como “Isso aí não é nada” ou “Isso aí é frescura”, falando sobre adoecimentos físicos e mentais. É impossível pensar isso sem o olhar da História. Olhando para o início da colonização do Brasil, fomos construídos como uma colônia de exploração e durante muitos séculos não tivemos serviço público de saúde. Durante 308 anos de colonização, as pessoas cuidavam de sua saúde a partir de saberes nativos de indígenas, populações negras escravizadas que traziam os saberes de cura de seus povos e algum conhecimento caseiro das populações brancas. Ou então a partir de alguns poucos profissionais liberais que existiam, formados na Europa. Existiam algumas poucas Santas Casas de Misericódia no Brasil, com atendimentos gratuitos. A primeira faculdade de Medicina no Brasil é fundada em 1808 com a chegada da família real portuguesa apenas nesse século XIX é que passa a se pensar estratégias de saúde pública e autocuidado.

Durante muito tempo surgiram iniciativas do poder público apenas para a saúde dos trabalhadores e suas famílias e apenas em 1990 com a aprovação da Lei 8080 é que se funda o SUS. Sem nem entrar no assunto da escravidão, que daria uma redação enorme sobre autocuidado no Brasil, já se pode perceber que até pouco tempo atrás nunca houve estímulo para que nos cuidássemos.
Por essa tradição histórica é que fomos nos acostumando ao fato de que autocuidado é bobagem e que mesmo saúde não é algo assim, a menos que ela afete nossa performance no trabalho, por ser nossa fonte de sobrevivência no capitalismo.

Caso contrário, saúde para que?
Ao mesmo tempo, não podemos ignorar as discussões recentes sobre “necropolítica”, que tem sido usadas para falar sobre ações dos Estados para exterminar de forma direta as camadas já excluídas da sociedade. Vai além da falta de cuidado. Tem se usado o termo necropolítica para falar, por exemplo, dos incentivos de nosso presidente Jair Bolsonaro à população para que ande pelas ruas sem seguir a etiqueta de prevenção. Ou para que tome uma medicação como a hidroxicloroquina contra a covid-19 sem comprovação de seus efeitos, e sabendo-se de complicações que ela pode ter para pacientes com doenças cardiovasculares. O detalhe aqui é: claro que dizendo essas coisas, Bolsonaro estimula todos os brasileiros a contraírem covid mas a situação é mais difícil para a população pobre e periférica na medida em que, caso se infecte, terá mais dificuldades para encontrar cuidado adequado básico (como leitos de UTI) e mesmo solicitar reavaliações clínicas para determinar qual medicação tomar – ambos os fatores aumentando sua mortalidade. Isso sem falar na mortalidade da população periférica pela polícia militar (uma necropolítica mais direta e agressiva) que aumentou durante quarentena e tem sido pouco alardeado pela mídia.
Por fim, variáveis do poder público, aqui representada especialmente pela carência de serviços de saúde física e mental nas periferias ou uma infraestrutura inadequada para a prestação desses serviços

Até quando vamos ignorar a questão da saúde mental no Hip-Hop?

Cada vez mais casos estão acontecendo em nosso meio e até o momento nenhuma discussão é levantada principalmente em uma cena onde cada vez mais a mudança e exposição aumenta a cada som lançado entre a sair da quebrada e acender socialmente, onde uma cultura que sempre foi marginalizado entra cada vez mais no mainstream.

Então já passou da hora de começar essa discussão de uma maneira ampla dentro da cultura, principalmente partindo dos artistas de cima que tem maior estrutura.

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Sobre Carlos Alberto F Pires

Amante da cultura, Designer, Comunicador e Diretor Criativo da Black Pipe!!
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