Sempre que eu sou procurada para algum trabalho de assessoria de imprensa com algum rapper, o desejo é o mesmo:
– ficar famoso e, se possível, no próximo hit.
Esta lógica de trabalho é tão absurda e tóxica que me obrigou a escrever este artigo de opinião para todos aqueles que ainda insistem nesta linha de trabalho.
No Brasil, o rap é um gênero musical que até ontem era tido como música marginal e isto atrasou por anos a ascensão de muitos artistas. Hoje, com a internet; acesso a uma placa, fruit loops, home studio, novas vertentes mais comerciais e a apropriação, os artistas abraçaram esta ideia imediatista de colocar um clipe na internet e amanhecer com 1 milhão de Views. ISTO É TÓXICO! É tóxico para o Rap, para o Funk que ainda consegue se manter com esta metodologia, mas é muito pior para arte no Brasil e, no nosso país, muitos vivem de música, poucos vivem de arte.
E teria problema viver de música? Estourar Hits? Fazer dinheiro rápido? Não! O problema é que quando isto não acontece, a frustração, ansiedade e uma série de sintomas são eminentes e este sim é o problema.
Existe uma ilusão no rap e precisamos falar sobre isto, caso contrário, teremos uma geração de rappers com sindrome de Deus (ficar famoso em sete dias) que não construíram base, nem legado, nem carreira e muito menos uma estrutura financeira, portanto, para ajudar a entender melhor este cenário vou listar alguns pontos que eu acho importante:
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Artista amador x Artista profissional
O artista amador é aquele que pensa 24 horas no seu rap, jura que tem talento, acredita realmente que um dia vai dar certo, se dedica exclusivamente a fazer a melhor música, mas não entendeu que talento não é suficiente e nem sempre você vai ter um padrinho ou madrinha para alavancar seu som.
O artista profissional é diferente, ele também tem talento, mas pensa como empresa, investe o pouco que tem, deixa de comprar o novo Jordan para contratar uma assessoria ou investir numa masterização melhor, estuda sobre música, busca entender como funciona a distribuição no Brasil, faz sua própria produção, quando não pode contratar um profissional para isto e, percebeu que ele é o dono do próprio negócio e precisa aprender a cuidar de todos os departamentos, caso ele ainda não consiga pessoas para fazer por ele. Você pode se achar artista e, de fato, se você faz arte, então você é. Porém, perceber em qual categoria você está é o impulso para sair do lugar ou melhorar onde está.
- Se visualizações garantisse algo, a Anitta não precisaria fazer shows e nem pensar em estratégias de marketing para divulgação do seu trabalho dentro e fora do Brasil. Parem de resumir as pessoas ao quanto de views elas tem no youtube. Eu conheço artistas que não são fortes nas plataformas digitais e ganham dinheiro do mesmo jeito e conheço muitos que são e não ganham. Dado a falta de conhecimento de como funciona os direitos autorais e monetização.
- Quantas pessoas vocês conhecem que ascendeu no rap? Quantas pessoas vocês conhecem que ainda não? Quantas pessoas apareceram e desapareceram na mesma frequência? Quantas possuem uma carreira consolidada? Faça estas perguntas para você mesmo e eu tenho certeza que vai entender o que eu to falando.
- O Emicida foi o único rapper que iniciou sua base vendendo disco de mão e mão, o Criolo, o único que quando resolveu gravar o disco para aposentar a carreira recebeu uma proposta e estourou. O Djonga o único que achou uma CEIA e a Flora Matos, a única rapper que teve seu corre atrasado pelo machismo no rap e se reergueu. Achar que você será o novo Caverinha ou MC Sophia e se comparar com artistas que estão aí no mercado, é um dos caminhos para frustração. O tempo muda, novas formas de se comunicar surgem e cada pessoa constrói sua trajetória de forma única, mas sabem o que todos eles têm em comum? TRABALHO! Então, se for para copiar algo deles, que seja o quanto eles se dedicam a arte e o tanto que eles trabalham. E, ainda que eu tenha opiniões pessoais sobre alguns deles, não posso me isentar ao falar que todos além de rapper são artistas em sua totalidade.
E agora que a gente entrou no tópico mais esperado…
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TRABALHO
Podemos pensar que se todos os artistas que estouraram tem este entendimento é exatamente por não ter outro caminho.
O que torna sua arte sólida não é o agora. Você pode ficar famoso em 24 horas? Pode! Mas e depois? O que vai fazer quando o próximo Hit entrar no Spotify se você não construiu uma estrutura de trabalho que perpassa pela melhor forma de divulgar seu trampo, vender, distribuir, aceitar sugestões de profissionais, aceitar críticas, gerenciar a imagem para que em um minuto você não veja seu império cair?
O imediatismo não constrói legado e nem base na indústria da música. A cena é um leão querendo te engolir toda hora. O processo de emburrecimento do público que estamos vivenciando no rap está construindo artistas rasos, imediatistas, preguiçosos e isto terá consequências sérias. Pensar em formas sólidas de fazer rap é provocar o artista a ser melhor profissionalmente e musicalmente. Fazê-lo entender que não é o hit, é a ARTE, e que não é a imagem dele apenas, mas o quanto consegue tornar sua música uma obra atemporal, é um dos maiores desafios. E nisto, Sabotage deu aulas. Trabalhei com o legado póstumo dele e posso afirmar que continua rentável até hoje, mas isto se deve pela família e a produtora que nunca pararam de trampar.
Então, se você for o rapper que achou que ficaria famoso em 24 horas com aquele hit que você jurava que ia estourar e não estourou. Continue trabalhando, mas se possível, seja um(a) rapper profissional. Ou, aceite que seu trabalho é amador – e tudo bem também, todo mundo começa deste lugar. A vibe é trabalhar para sair dele e chegar ao lado destas e destes que vocês tanto admiram.
Não tem outra, só TRABALHANDO!
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