Há uns dias, tenho visto nas redes sociais, um burburinho em torno de uma tal “Academia de MC’s”.
Eu já tinha visto o anúncio e o projeto nada mais é do que dicas e cursos sobre diversas técnicas para se escrever rap e, supostamente, ser um MC. Segundo o link na bio deles no Instagram, a Academia de Beats é para você aprender técnicas de flow, rimas e experiências com grandes nomes do Rap Nacional.
Não se sabe exatamente quem criou a empresa, mas sabemos que um dos instrutores é o conhecido, controverso e MC de direita (se é que existe) Maomé do grupo Cone Crew Diretoria.
Antes de tecer qualquer crítica sobre a citação do artista acima, vamos fazer uma reflexão sobre a profissão MC.
O primeiro MC – Mestre de Cerimônia, foi um cara chamado Coke La Rock. Ele, assim como todos os protagonistas da profissão, eram negros.
DJ Kool Herc, outro homem negro, percursor do que posteriormente seria chamado de Cultura Hip Hop, convidava La Rock para mandar algumas rimas improvisadas e entreter o público das festas que o DJ dava.
O MC, que era traficante na época, abriu mão da carreira ilegal e passou a ser remunerado pelo trabalho de Mestre de Cerimônia, desta forma, podemos afirmar que o MC sempre foi uma profissão.
A função MC não consta no CBO – Cadastro brasileiro de ocupação do Ministério do Trabalho, mas ele se enquadra na categoria Músico, por isto, os MC’s profissionais possuem a carteirinha da OMB para comprovar que exercem um trabalho profissional.
E se MC é uma profissão, profissionalizar é o caminho.
É importante ressaltar que, ter um curso onde se ensina técnicas para escrita ou que dê dicas de como escrever a letra, não torna ninguém MC. Assim como fazer um curso de gestão financeira não te torna um bom investidor e nem aprender sobre técnicas de vendas te torna um vendedor. Mas buscar conhecimento é importante em todos os casos. Se profissionalizar ainda mais.
Rick Bonadio, um dos maiores produtores de música do país, possui diversos cursos online sobre carreira artística. Eu, como assessora de imprensa e social media, vendo cursos que ensinam artistas a divulgar o seu trabalho nas redes sociais, elaborar um release, criar um planejamento de divulgação para um álbum, single ou clipe. Sendo assim, o curso em si não é um problema. O erro está em quem vende e como vende.
O MC integra o gênero rap, elemento da cultura Hip Hop e isto nunca pode ser dissociado. A cultura Hip Hop, embora considerada o ~gênero~ mais consumido no mundo, não é apenas comercial. Todos os elementos da cultura, bem como seus atuantes, possuem um compromisso social que é usar suas habilidades como ferramenta de transformação de todos aqueles que vivem às margens. Uma vez eu estava numa mesa de debate com o Dexter e ele disse exatamente esta frase: “Tem quem faz rap e tem quem faz Hip Hop, quem faz rap sem estar inserido na cultura é rapper e não MC”. E esta frase diz muito sobre este debate.
Maomé é um MC branco que protagonizou uma campanha de apoio ao impeachment da presidenta eleita e legitima, Dilma Roussef, o conhecido #vemprarua. Em poucas palavras, ele apoiou o Golpe que resultou neste governo miliciano que temos hoje.
Não vou contar a história do Hip Hop aqui e nem explicar o quão controverso é ter um MC que é contra a democracia e o Estado de Direito atuando livremente na nossa cultura.
Sabotage já havia dito “O rap é compromisso” e se é, o MC também precisa ter.
O curso em si é legitimo e é de extrema importância que todos que se propõem a esta profissão obtenham o máximo de conhecimento, seja ele; fazendo aula de canto, presença de palco, aula com fonoaudióloga, gestão de carreira, assessoria, ou até mesmo técnicas para aprimorar sua escrita. O rap merece o melhor, seja você dando oficina na internet ou numa favela.
O que não é legitimo e me preocupa muito é ver que esta indústria está sendo protagonizada por pessoas brancas que esvaziam o compromisso de ser MC. Ou ninguém percebeu que na Academia de Mcs, bem como a Academia de Beat, um projeto parecido, todos os instrutores são brancos?
Estamos diante da velha e discutida “Apropriação Cultural”. Artistas brancos que se apropriam de uma cultura preta, comercializam ela e não se propõem a conduzir este trabalho da forma como o elemento se originou.
E você ai vai pensar. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra?
Cursos ou oficinas de rap já existem, usar ferramentas online é só uma nova forma de propagar a informação. Quem ai nunca foi numa oficina realizada por algum projeto ou equipamento cultural? A linguagem rap é uma das aulas mais utilizadas na Fundação Casa. A diferença é que os artistas que se propõem a ensinar a arte de ser MC, sabem a importância de se manter a profissão alinhada aos ensinamentos da cultura Hip Hop. E isto, é algo que rappers brancos em sua maioria não querem fazer. E este é o real problema!
Enquanto estamos discutindo supostas traições de casais de artistas ou se pode ou não ir na Globo. Rappers brancos estão construindo impérios e propagando o gênero rap sem o menor compromisso com a cultura Hip Hop.
E a academia de MC, cujo instrutor é o Maomé da Cone Crew, é consequência desta apropriação.
Podemos proibi-lo de fazer isto? Não! Mas podemos e devemos apontar todas as vezes que artistas brancos surgem com ideias de mercantilização da nossa cultura. Copiamos quase tudo da cultura Hip Hop americana, menos o incomodo em ter pessoas brancas que não respeitam os princípios do movimento.
Precisamos fazer isto ou se preparem para ver o Hip Hop virar o Carnaval de São Paulo que, neste ano, derrubou todas as escolas de origem preta do grupo especial, ganhando uma escola majoritariamente branca que contou sobre a história dos negros.
Portanto, ter um rapper branco de direita ensinando pessoas a ser MC. É sim, bem problemático!
Se especializar na profissão. Não!
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Só acho que você bostejou um pouco , até por que alguns dos instrutores são negros, Djonga e Helião.
Mas gostei do texto de certa forma , me fez ter um percepção de outra opnião.
Crlhh, que foda manoo, vai volta a estar disponivel esse curso.