Se você não assistiu ao filme e não deseja ter spoiler, volte duas casas.
Há um universo paralelo na Marvel onde a escravização e colonização não ocorreram. Calma, não que não tenha ocorrido no restante do mundo ao redor desse universo paralelo, ocorreu, mas dentro dele não. E esse universo paralelo é secreto, fortificado, extremamente rico e muito, muito tecnológico. E é desse universo paralelo que Erik Killmonger descende, porém não é nele que Erik Killmonger cresce e não é por ele que Killmonger é criado.
Erik Killmonger cresce então nos guetos dos Estados Unidos, ouvindo seu pai lhe contar histórias sobre Wakanda, porém sendo novo demais para entender literalmente a grandiosidade de Wakanda. Killmonger posteriormente tem seu pai assassinado por seu tio, o rei T’Chaka, de Wakanda. O pai de Killmonger “lutava” para que todos os africanos em diáspora, lesados pela escravização de seus ancestrais, voltassem para a “África” — aqui interpretada, em partes, por Wakanda — E é exatamente nesse cenário que podemos enxergar a primeira grande construção de Erik Killmonger, que apesar dos esforços do pai, não conseguiu conhecer a grandiosidade de Wakanda, tendo seus ensinamentos interferidos pelo assassinato de seu pai, pelo seu próprio tio, rei daquela sociedade que antes, para ele, era como um “conto de fadas”.
Killmonger, apesar de um possível sucessor do trono, não consegue fugir das estatísticas de jovens na diáspora. Ainda muito jovem, se viu sem a figura paterna e começa então a alimentar a sede de vingança a Wakanda, que para ele, era a imagem e semelhança de seu tio.
Killmonger perdeu a única figura que o ligava a Wakanda e logo, perdeu toda a sua referência ancestral, princípios, culturas e tradições, tendo para si como referência unicamente o Ocidente, o mesmo responsável por matar seus iguais. Mas é esse Ocidente que Killmonger leva como modelo para o seu plano de vingar as injustiças acometidas aos seus ancestrais, que de alguma forma foram “esquecidos” por Wakanda.
Killmonger então começa a se estruturar enquanto guerreiro, focando não em seu individual e na morte de seu pai apenas, mas na morte de milhões de pessoas e na desumanização de outros milhões. O anti-herói então começa a contabilizar, em seu próprio corpo, o número de mortes causadas por ele mesmo, inclusive de seus iguais, porém sempre por “um bem maior” — colocado aqui entre aspas, uma vez que apesar dos “esforços” de Killmonger, ele falhou miseravelmente, uma vez que “eu sou porque NÓS somos” fale exatamente do coletivo, enquanto um todo e não somente alguns.
Então, quando Killmonger vê em sua frente a oportunidade de vingar a morte e desumanização de milhões de seus iguais, ele o faz. Com um ódio cultivado por toda a sua vida, anterior a morte de seu pai, uma vez que o mesmo cresceu no gueto dos Estados Unidos, olhando pessoas como ele sendo desumanizadas. O ódio de Killmonger é válido, porém o adoece e o cega, ao ponto de fazê-lo enxergar somente a questão da batalha pelo poder e não o que virá por trás disso, como os costumes, tradições, princípios e ancestralidades.
E uma vez desconectado com os costumes ancestrais, Killmonger começa a sua sucessão de falhas. A primeira falha acontece desrespeitando a mulher negra, que ele mostra não ter nenhum receio de matar e é um dos pilares ancestrais africanos. A segunda é sobre a natureza, que novamente é um dos pilares ancestrais africanos. A terceira é sobre os mais velhos, tidos também como um dos pilares africanos e que ele não receia em desrespeitar.
Porém, é também em batalha que percebemos o quanto Killmonger, apesar de sua masculinidade tóxica que não o permite falhar, é tão frágil. É em batalha que ele demonstra sua fragilidade e seu sonho de voltar para aquilo que, para ele, era pra ser tudo o que o acolheria, uma vez que o “mundo real” não o acolhia.
Meu pai falou que Wakanda era a coisa mais linda que ele já tinha visto, acredita? Ele me prometeu que um dia me mostraria. Imagina, um garoto de Oakland acreditando em conto de fadas.
E é nesse momento, e também em muitos outros, que percebemos que Killmonger talvez seja só um menino, fragilizado demais para mostrar sua fragilidade, se preparando para uma guerra física e para matar-ou-morrer em prol de todos os que estão sendo “injustiçados” lá fora. Porém, Killmonger não conheceu as culturas, tradições e princípios e peca muitas vezes.
Mas talvez Killmonger seja eu, lutando contra um monstro maior do que eu, porém fragilizada demais para pedir ajuda, com a visão turva demais para perceber os meus erros ou distante demais dos meus ancestrais para entender com perfeição as tradições, cultura, religião e princípios.
Mas uma coisa é certa e não me resta dúvidas, Killmonger é o “vilão” mais próximo da minha humanidade, que eu pude assistir em ação.
- Sagaz das Atalaias e Zoe Beats lançam a mixtape “O ano mais violento”. - 8 de abril de 2020
- Festival Pineapple: Rap Contra a Fome — O evento que fez o Viaduto Madureira tremer. - 7 de janeiro de 2020
- Thiago Elniño apresenta o impactante “Pretos Novos”. Ouça! - 26 de agosto de 2019
- Thiago Elniño abre os caminhos de seu novo disco, com feat de Tássia Reis - 29 de julho de 2019
- Você precisa conhecer “Alienego”, single de Drewan. - 8 de julho de 2019
Leave a Reply