Queen Latifah
Queen Latifah

A importância do envolvimento da mulher no hip hop.

Primeiramente, não quero dar sermão feminista em ninguém, quero colocar pontos aqui a serem dialogados e refletidos, para trazer maior conhecimento, já que acredito fortemente que o quinto elemento está ligado ao saber e ao conhecer. Claro que, o hip hop sempre foi sobre diversão, atitude e paixão,  mas também é sobre políticas sociais e representação dos marginalizados. Quando o hip hop em si começou a tomar forma, era dominado por homens (não só o hip hop, todos os espaços) e a maioria das mulheres estavam relacionadas a dança como b girls, isso automaticamente, ou como backing vocals, no início representávamos pouca coisa, coadjuvantes, não protagonistas. Naquela época as mulheres eram pautas faladas porém como algo negativo ou sexual, tanto nas letras como nos vídeos víamos (ainda vimos e muito) as mulheres sendo objetos de luxúria e troféu. Temos inúmeras músicas que grandes rappers fizeram sucesso que objetificam ou maltratam a mulher. Mas acredito que assim como o hip hop está conectado a atitudes, também está ligado a evolução, desenvolvimento, mudança, e com isso o cenário do hip hop no mundo foi mudando conforme as mulheres foram se envolvendo.

As questões que não eram abordadas começaram a ser enxergadas de acordo com a entrada das mulheres. Isso é resultado de uma diferença de percepção e vivência.

Nas batalhas de Mc que vemos envolvendo homens e mulheres, a maioria das rimas são em cunhos sexuais, xingamentos sobre a mãe, irmã, prima, sobre a beleza da mulher, sobre ela ser rodada ou não, enfim, tudo gira em torno da sexualidade da mulher que está ali. Vemos muito isso, e hoje conseguimos enxergar esse problema mais claramente e debater, porque hoje a mulher ela é parte disso, e foi ela própria que começou a argumentar esse tipo de atitude.

Queen Latifah, Lil Kim e Da Brat.
Queen Latifah, Lil Kim e Da Brat.

Em 1993, Queen Latifah lançou a música U.N.I.T.Y como forma de protesto a violência a mulher e o desrespeito com as mulheres na cena do hip hop, ela também fala sobre a mulher negra ser amada (o que entra na questão direta do feminismo negro e da solidão da mulher negra). Ela descreve situações que passou e também como se defendia e que não aceitava ser chamada de vadia. Na introdução desse som ela já chega com dois pés no peito dizendo: “Who you calling a bitch?” (Quem você esta chamando de vadia?”). O mais incrível desse som escrito a 24 anos atrás é que ela deixa uma mensagem falando sobre relacionamentos abusivos, como ela era cega de não enxergar o que estava fazendo mal a ela. É uma mensagem completa de força e de resistência, o que combina com o foco inicial do rap e uma realidade que você enxerga diariamente com a mulher de periferia. Queen Latifah foi uma das primeiras a falar claramente sobre problemas que a percepção masculina não alcançaria porque não há  vivência, então, a mulher ela trouxe esses pontos sérios a serem tratados que não eram vistos ou notados.

Outro exemplo, foi Dina Di que em 1994 fundou o grupo Visão de Rua que posteriormente lançou a sua primeira canção de trabalho chamada “Confidências de uma Presidiária”, que relata algumas coisas sobre o sistema carcerário feminino. Em 2004 Dina Di lançou “Noiva de Thock”, onde fala sobre diversos assuntos bem abertamente, a faixa “Hora de avançar” ela exalta a força da mulher independente e que mulheres unidas são mais fortes, em “Corpo em Evidencia” é um papo reto sobre pornografia e sobre como a mídia usa o padrão de mulher perfeita. No mesmo álbum ela relata sobre como é ser a companheira de um presidiário, sobre espera e solidão, é como se ela tivesse feito um relato do outro lado da historia de “Diario de um Detento” do Racionais, o grupo no qual ela era fã. Dina Di também fala em algumas entrevistas como ela ficava cansada em ter que passar essa imagem masculina pra ter respeito, ter que seguir um tipo vestimenta e postura, pois ela percebeu que dessa forma a olhavam de forma mais diferente e a levavam a sério, coisa que não aconteceria se ela tivesse uma postura mais doce e usasse vestidos.

Dina Di
Dina Di

Observe que o hip hop nasceu porque as forças sociais e econômicas o empurraram a se tornar uma cultura, logo, a mulher veio com práticas de valores necessárias pra formação e evolução do mesmo.

É importante também avaliarmos que o berço do hip hop foi a periferia e ele foi usado como objeto de fala e de resistência desde a sua essência, e que o hip hop dentro da periferia as vezes é o ÚNICO meio de informação alcançado, por meio de ongs  e projeto que vemos hoje. Músicas com mensagem de punho forte de mulher para mulher é uma chave importante pro crescimento  de conhecimento social inserido na periferia, assim como foi inicialmente no rap. Esta distinção homem/mulher, fornece dados sobre como as mulheres exercem em sua fala o direito de expressar sobre suas próprias experiências, formas de compreensão diferentes como mulher, mãe , companheira, dona de casa, mãe solo, mulher independente, todas as mulheres.

Essa representação da mulher foi crucial para a evolução da própria cultura porque trouxe mais representatividade, diferentes realidades, visões, sentimentos, raízes e questões a serem tratadas que já eram parte da história desde o inicio mas não eram reconhecidas, tornando assim a mulher um complemento que mudou muitas vidas e a própria trajetória do hip hop. Então, eu poderia adicionar mais centenas de pontos sérios aqui, porém o que quero dizer é: precisamos de mais mulheres ativas, então vamos começar a dar mais reconhecimento e respeito para as mulheres envolvidas no hip hop, abrir espaços e oportunidades, vamos dar mais voz as mulheres, porque não foi fácil e temos ainda muito o que percorrer.

Sobre Gabriela Sobreira

Gabriela, 25 anos, zona leste de berço, criada no punk ao rap, artesã, feminista, viciada em livros, música e tênis.
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